É natural que a sociedade dirija um olhar de desconfiança ou de ceticismo quando a Assembleia Legislativa instaura procedimentos investigatórios que possam, direta ou indiretamente, envolver seus próprios integrantes em situações desabonadoras. E esta é uma das razões pelas quais a recém-constituída Comissão Parlamentar de Inquérito da Enersul precisa cercar-se de todos os cuidados para não deixar qualquer dúvida sobre seu compromisso com a verdade.
“Vamos a fundo nessa investigação. E se porventura houver algum deputado, algum político, não iremos fugir à nossa responsabilidade. Aqui somos fiscalizados pela população, estamos expostos e a nossa principal contrapartida é a transparência”, afirmou o deputado estadual Paulo Corrêa (PR), eleito para presidir o colegiado que vai apurar as denúncias de um suposto mensalão desembolado pela concessionária para 35 pessoas físicas e jurídicas, em troca de favores. Para calçar a lisura dos trabalhos da I e legitimar seus resultados, Corrêa destaca a participação da sociedade civil e de organismos fundamentais, entre eles o Ministério Público. A primeira reunião está agendada para a próxima terça-feira.
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?TENSÃO - Por causa da I o clima na Assembleia é tenso. O autor da denúncia, o peemedebista Marquinhos Trad, tem consigo um relatório sobre o qual faz mistério. Ao propor a I, só divulgou parte das conclusões, sem revelar nomes de possíveis beneficiários do esquema. Com isso, abriu um amplo leque de suspeitas e revoltou a maioria dos colegas.
Sem conquistar nenhum dos cargos de expressão na I e a cada dia isolando-se no Parlamento, Marquinhos – irmão do ex-prefeito Nelson Trad e do ex-deputado federal Fábio Trad – procura dar o troco tentando desqualificar a I. Insinuou, por exemplo, que o presidente da Comissão, Paulo Corrêa, e o relator, Beto Pereira (PDT), não poderiam fazer parte dela porque seriam interessados diretos. Para justificar-se, acusou Corrêa de ser dono de uma ONG contemplada com a doação de um onbus pela concessionária de eneria e disse ainda que Válter Bortoletto, chefe de gabinete de Pereira, é ex-funcionário.
A ONG em questão é a Onça Pintada, criada em 2001 e da qual Corrêa é um dos fundadores. O veículo ao qual se refere Marquinhos é um antigo micro-ônibus Mercedes 814, que estava no pátio dos inservíveis da Enersul e foi adquirido – não doado – por R$ 44 mil 80,00, conforme atesta recibo de compra e venda com firma reconhecida. A ONG Onça Pintada trabalha na prevenção, exames e orientação sobe o câncer de mama. Já realizou na capital e no interior do Estado cerca de 50 mil atendimentos e mais de 3,8 mil cirurgias gratuitas, estendendo suas ações às mulheres indígenas, quilombolas e de assentamentos.
No caso de Beto Pereira, seus vínculos com a Enersul questionados por Marquinhos Trad são dois: o chefe de gabinete Valter Bortoloto foi funcionário da empresa, demitido após 30 anos de vínculo empregatício; e Válter Pereira de Oliveira, pai do deputado, presidiu a Enersul no governo de Wilson Barbosa Martins, quando deixou de ser estatal e foi privatizada. No entanto, as denúncias de Trad não abrangem o período em que Válter Pereira presidiu a companhia.
CAMPANHA, RECEITA E DESPESAS – Paulo Corrêa é um dos deputados para quem a I está entre as perspectivas midiáticas de Marquinhos para alimentar o projeto de candidatar-se a prefeito em 2016. Os dois desafetos já haviam compartilhado um cenário semelhante em 2007, quando foi instalada a primeira I da Enersul. Na época, o objetivo era apurar os motivos dos reajustes tarifários. Por coincidência, quem pediu a I e a relatou foi Marquinhos e quem a presidiu foi Corrêa.
Os resultados daquela I podem ser considerados satisfatórios, ao menos de acordo com as sucessivas declarações vitoriosas de seus principais protagonistas. Corrêa lembra que em consequência dos trabalhos da I de 2007 (iniciada em maio e concluída em outubro), a empresa foi obrigada a congelar as tarifas por três anos e a devolver R$ 191 milhões cobrados indevidamente dos consumidores.
Agora, o desafio da atual Comissão é buscar – inclusive nos dados levantados há quase oito anos – números e conjunturas de época que possam clarear os rastros sob suspeita na entrada e saída de recursos da Enersul, agora sob controle da Energisa. Os critérios para os reajustes autorizados em abril de 2007 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de 3,46% para baixa tensão e 2,58% para alta, certamente serão reanalisados.